Quase quarenta anos se passaram desde que o jornalista Vladimir Herzog apareceu enforcado nas dependências do DOI-Codi de São Paulo. À época, o laudo sobre a morte indicou um evidentemente impossível suicídio. Ninguém que viu as fotos do corpo do jornalista – supostamente enforcado com um cinto e com as pernas visivelmente dobradas – conseguiu acreditar que, por maior que fosse o desejo de acabar com a própria vida, o instinto de sobrevivência não seria maior e faria com que o potencial suicida buscasse apoiar os pés no chão.
A versão era tão absurda que a família conseguiu o que não é permitido a qualquer judeu suicida: o sepultamento em campo santo. Pela tradição, os fiéis dessa regilião que põem fim à própria vida são enterrado fora dos muros do cemitério reservado aos outros sepultamentos. Mesmo em plena ditadura, Herzog foi sepultado em solo sagrado.
A viúva de Herzog, Clarice, jamais se conformou com o atestado de óbito que atestava um suicídio que não existiu. Nesta segunda-feira (24/09), finalmente, o juiz Márcio Martins Bonilha Filho, da 2ª Vara de Registros Públicos do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), determinou a retificação do atestado de óbito do jornalista Vladimir Herzog, para fazer constar que sua “morte decorreu de lesões e maus-tratos sofridos em dependência do II Exército – SP (Doi-Codi)”. O DOI-Codi era a sigla do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna subordinado ao Exército, que atuava como órgão de inteligência e repressão do governo.
A decisão do juiz atende a solicitação da Comissão Nacional da Verdade, incumbida de esclarecer as graves violações de direitos humanos, por meio de representação feito pelo seu coordenador, ministro Gilson Dipp. No despacho, o magistrado destaca a deliberação da comissão, “que conta com respaldo legal para exercer diversos poderes administrativos e praticar atos compatíveis com suas atribuições legais, dentre as quais recomendações de ‘adoção de medidas destinadas à efetiva reconciliação nacional, promovendo a reconstrução da história’, à luz do julgado na ação declaratória, que passou pelo crivo da segunda instância, com o reconhecimento da não comprovação do imputado suicídio, fato alegado com base em laudo pericial que se revelou incorreto, impõe-se a ordenação da retificação pretendida no assento de óbito de Vladimir Herzog”.
Pedido – A Comissão Nacional da Verdade encaminhou o pedido à Justiça paulista no dia 30 de agosto para que o documento de óbito do jornalista Vladimir Herzog, morto em 1975 durante a ditadura militar, fosse retificado. A comissão atendeu, assim, a família de Herzog, que reivindicava a retirada da causa da morte a asfixia mecânica, como está no laudo necroscópico e no atestado.
O encaminhamento da solicitação à Justiça foi decidido por unanimidade pelos membros da comissão. Além da recomendação, também foi enviada à Justiça paulista cópia da sentença da ação declaratória, movida pela família Herzog, e de acórdãos em tribunais que manteviveram a sentença de 1978, quando ficou decidido que não havia prova de que Herzog tinha se matado na sede do DOI-Codi de São Paulo.
“Quando a sentença rejeita a tese do suicídio exclui logicamente a tese do enforcamento e, então, a afirmação de enforcamento – que se transportou para o atestado e para a certidão de óbito – encobre a real causa da morte, a qual, segundo os depoimentos colhidos em juízo indicam que foi decorrente de maus tratos durante o interrogatório no DOI-Codi”, diz o parecer da comissão.
Nascido na Croácia, Vlado Herzog passou a assinar, no Brasil, Vladimir por considerar seu nome exótico. Naturalizado brasileiro, se tornou um dos destaques do movimento pela restauração da democracia no Brasil, depois do golpe militar de 1964. Era militante do Partido Comunista. Em 25 de outubro, período durante o qual atuava como jornalista da TV Cultura, Vladimir foi preso e posteriormente encontrado morto.
FONTE: ptnosenado.org.br, com informações de agências de notícias